10 março, 2015

Infância

Ela era ainda muito nova, quando seus pais perceberam seu temperamento audacioso e a mente inquieta.
Única menina entre quatro irmãos, surpreendia a todos quando abandonava as delicadas bonecas, presentes caros que recebera, e corria pelo quintal em barulhentas brincadeiras com os irmãos. Sem sentir medo, subia até os últimos galhos das mangueiras, e trazia consigo doces frutos para ofertar à mãe.
Outras vezes saía a perseguir calangos, para transformá­los em seres mágicos, com quem conversava por horas, antes de soltá­los no jardim.
Algumas vezes voltava para casa com cicatrizes dolorosas: sinais de quedas ou aventuras pela vizinhança. Nessas ocasiões, ouvia de cabeça baixa as infindáveis recriminações dos pais, e aceitava sem rancor o castigo imposto: dias sem sair de casa, em que ficava à janela olhando o jardim.
Mas depois de algum tempo, durante uma tarde com o pai, bastava que o envolvesse pelo pescoço e prometesse se comportar, para que ele cedesse às suas vontades, e de novo a libertasse para o sol do quintal, e inúmeras brincadeiras que aquele ambiente proporcionava.
Até que um dia, a idade de estudar chegou, e os pais decidiram que a menina de cabelos desalinhados, joelhos marcados e sujos, iria, como todas as meninas na época, para o colégio interno. Nem mesmos as lágrimas derramadas, e o pavor estampado nos doces olhos da criança, foram capazes de comover a família.
Quando partiu, deixou para trás todos os sonhos e fantasias infantis, e enfrentou com um mínimo de coragem a nova vida que lhe foi apresentada.
Trocou o quintal pelas salas de estudo, e as brincadeiras pelas orações e tarefas da escola. Aos poucos deixou de lembrar do pomar, dos pequenos animais e as corridas com os amigos. Se esqueceu das flores que colhia e prendia nos cabelos, e da fonte do jardim, onde se sentava e mergulhava os pés na água fria.
E quando, por fim, voltou, já mulher feita, andou pela casa à procura de lembranças. Visitou os quartos, abriu janelas e gavetas à procura de antigos objetos.

Ao fim do dia se sentou perto da janela, e abrindo um pequeno caderno que trouxera consigo, começou a escrever. 

Contou a história da menina que amava a liberdade e o sol no rosto, e vivia em um quintal encantado, de onde não precisava sair nunca, e onde estavam todas as alegrias que uma criança devia viver.