O nome era Rosa, ou Rosinha, como
todas a chamavam. Tinha sido escolhido pelos pais, ambos professores na única
escola da pequena cidade, antes mesmo do nascimento.
Menina franzina de pele muito
clara, crescera entre livros e cadernos e, contavam os pais, aprendera a ler e
escrever sozinha, sentada em um banquinho no canto da sala de aula da mãe.
Enquanto crescia, observou que
nem todos os amigos se interessavam pelas histórias fantásticas que ela
aprendia com o pai, ou pelos contos de fadas que ouvia da mãe antes de dormir.
Se acostumou a brincar sozinha, recitando falas de personagens dos livros que
lia em casa, ou se sentando no balanço à beira do rio, cantando canções que ela
própria criava.
Na escola fez amizade com Zé
Pedro e Bento, os únicos que não a mandavam “brincar com as outras meninas”, e
ouviam com atenção as incríveis aventuras de Dom Quixote que ela contava. A
caminho de casa, se divertiam com adivinhações e imitações que faziam das
pessoas que conheciam.
Quando Bento contou que um dia
seria um grande fazendeiro, ela o incentivou, descrevendo tudo que ele seria
capaz de possuir: muitas terras, rebanhos e plantações. Mostrando maturidade, o
aconselhou a economizar e trabalhar muito, para um dia ter tudo aquilo que
queria. Da mesma forma, ouviu com atenção os planos de Zé Pedro, que pretendia
ser médico, e teria que estudar bastante e viajar para cidade grande. De seus
próprios sonhos, falava pouco.
No último ano da escola, uma
tristeza a invadiu. Para continuar os seus estudos, teria que se mudar para a
cidade grande, o que naquela época era inviável para sua família, e inaceitável
para a maioria dos pais das moças de sua idade. Como não podia ir, teria que
renunciar a tudo que queria conhecer e aprender. Então, e para fugir dessa
realidade, passou a criar fantasias românticas, em que sua espera seria
recompensada por um personagem salvador, com quem ela iria para bem longe.
Nessa mesma época os pais de Zé
Pedro morreram, deixando a grande fazenda como herança. Logo após o velório, o
amigo lhe confessara que chegara o momento de partir e a convidara a
acompanha-lo. Surpresa e insegura, levara pouco tempo para consultar os pais e
pedir a benção, prometendo que se casariam na primeira cidade, e, quem sabe,
voltariam depois de algum tempo.
A partir de então, a vida de
Rosinha se transformou. A cidade grande a envolveu, com suas ruas cheias de
gente, lojas e carros. Sem preocupação, deixou que Zé Pedro conduzisse todas as
ações: permitiu que ele adiasse a
procura de uma casa, e se hospedarem um bom hotel. Ele deixara os estudos para
o ano seguinte. Tinham se divertido e comprado roupas, sapatos e muitos artigos
com que sempre sonhara.
Também o casamento ficara adiado,
ao contrário do que tinha prometido aos pais. Tudo que se referia à antiga
vida, aos poucos fora ficando no passado. As ligações telefônicas aos amigos e
mesmo aos pais foram se tornando raras até que, dois anos depois, soubera por
acaso da morte de ambos.
Levaram uma vida de diversões por
quase três anos, e então o dinheiro acabou. Zé Pedro mudava frequentemente de
emprego, procurando assegurar a condição de vida de ambos.
Ela, que nunca trabalhara, e
estava despreparada, passava os dias no pequeno apartamento que tinham alugado
depois de abandonarem o hotel, relendo antigos livros e assistindo filmes na
televisão. Em meio à crise, percebeu que estava grávida.
Depois de uma gravidez com
problemas, o filho nasceu em uma noite quente, de um parto difícil e doloroso. Rosinha o chamou de “Antonio”, mesmo
nome de seu pai.
Nos anos seguintes, ela se
dedicou integralmente ao filho. E quando ele já tinha idade para entender, ela
lhe falava da própria infância no campo, das brincadeiras, no rio e dos amigos.
Algumas vezes, Zé Pedro a escutava calado, sentado no canto da sala, com o
olhar perdido em suas próprias lembranças.
Nas poucas horas
que tinha para si mesma, visitava um pequeno parque próximo, onde se sentava à
sombra das árvores, com um dos antigos livros do pai. Refletia sobre o rumo que
tinha dado à sua própria vida, e o fim dos seus sonhos juvenis. Ela e Zé Pedro
pouco falavam sobre Bento, mas ela sabia que ambos sentiam saudades.
Quando Antonio
completou 5 anos, Zé Pedro propôs que voltassem à cidade natal. Naquele dia ela
concordou com um aceno da cabeça, olhos fixos no companheiro e o coração
angustiado. Sabiam que seria mais do que um regresso. Podiam ver nos olhos um
do outro os arrependimentos, e que agora enterravam sonhos.
Um mês depois,
juntaram o pouco que tinham e partiram. Ao avistarem as primeiras casas da
cidade, deram-se as mãos comovidos. Rosinha já se sentia madura e consciente
que naquele lugar iria criar seu filho, onde continuava sendo a sua terra. José
Pedro, por sua vez, aprendera muito com os erros, e dentro de si sentia enorme
vontade de recomeçar.
Ao chegar, não
procuraram Bento. Sabiam onde encontra-lo, mas preferiam se acomodar primeiro,
antes de visita-lo e apresentar o filho. Rosinha lamentava agora não ter se
despedido do amigo de infância, e tinha receio que a antiga amizade já não
existisse.
Ela sabia que Zé
Pedro costumava andar pela antiga fazenda, e pelos lugares que conhecia tão
bem, mas quando, certa tarde, lhe avisaram que algo tinha acontecido a Bento,
ela teve certeza de que os dois estavam juntos. Sabia que o marido se
preocuparia com o amigo, e faria qualquer coisa para ajudá-lo.
Nos dias
seguintes, assim que acordava e vestia Antonio, caminhavam até a casa da
fazenda de Bento onde Zé Pedro tinha passado a dormir, esperando que o amigo se
restabelecesse. Durante todo o dia se empenhava nos afazeres da casa, no
preparo das refeições e nos cuidados das roupas do enfermo. O marido cuidava
dos trabalhos na fazenda, e todos os dias parecia mais animado com os
resultados.
Quando Bento
passou a caminhar, e se sentar com Zé Pedro na varanda, nos finais de tarde,
ela chegava e se juntava a eles. Não falavam muito do período em que tinham
estado distantes, mas das lembranças da
infância, e de aventuras compartilhadas. Aos poucos estabeleceu-se uma rotina
na vida dos três, e quando Bento ofereceu um emprego a Zé Pedro este aceitou de
imediato.
Foi Bento também
que a apresentou aos donos da quitanda na cidade, recomendando que comprassem
os doces bolos feitos por ela. Com o emprego e novas amizades, Rosinha
voltou a sorrir e a tecer planos,
sentia-se querida e importante. Sempre que conseguia juntar umas economias,
encomendava alguns livros ao comerciante que sempre ia à cidade. Ler continuava
sendo seu maior prazer, e agora também fonte de muitas informações na sua nova
vida.
No último
domingo, preparou uma grande cesta com guloseimas para o piquenique à sombra da
mangueira, e quando Bento se sentou ao seu lado, com Antonio no colo, fez o
convite para que o amigo batizasse o filho. Percebeu que ele segurava lágrimas,
embora abrisse um largo sorriso, mas não perguntou a razão... o importante era
o valor daquela amizade, que tinha resistido ao tempo e desventuras da vida.
(versão visão de um dos personagens do conto Amigos)